Capítulo 3 — A esposa insignificante.
FLASHBACK
Eu ainda podia ouvir a voz do papai ao telefone naquela manhã.
“É a Bella. Ela sofreu um acidente. Está em coma.”
Tudo ficou turvo depois disso. Dirigir, correr pelos corredores do hospital, ver a mamãe devastada... E Bella, ligada às máquinas, tão fraca, tão distante da vida que costumava brilhar em seus olhos.
Não me lembro de ter chorado. Havia apenas silêncio, o cheiro de desinfetante e a certeza de que nada mais seria o mesmo.
E então, ele chegou.
Gael Moretti.
Um nome que eu ouvira do papai, sempre mencionado com respeito e medo. Alto, frio, distante. Ele se apresentou sem palavras, mas só por estar ali, mudou tudo. Papai não explicou nada. Simplesmente pediu para mamãe e eu deixarmos que ele falasse a sós com Gael.
E eu, ingênua, obedeci.
Naquela mesma noite, enquanto observava Bella dormir, eu entendi: havia algo mais em jogo. Algo que me arrastaria junto sem nem perguntar se eu estava pronta.
FIM DO FLASHBACK
Acordei com um gosto amargo na boca e me sentindo grogue. Ainda estava com o vestido de noiva. Eu tinha estado fraca demais para tirá-lo na noite anterior. O espartilho estava apertado, o tecido grudava desconfortavelmente na minha pele, e eu me levantei com dificuldade. Tudo doía, e quando me olhei no espelho do banheiro, senti vergonha de mim mesma.
Minha maquiagem estava borrada, meu cabelo uma bagunça, e meus olhos inchados. Parecia uma paródia de uma noiva... ou melhor, como uma viúva de algo que nunca sequer viveu.
Felizmente, uma empregada entrou no quarto para limpar. Ela ficou sem palavras ao me ver sentada na beira da cama. Não disse nada, apenas se aproximou silenciosamente e me ajudou a tirar o vestido. Dei-lhe dinheiro sem que ela pedisse. Não porque ela esperasse uma gorjeta, mas para garantir que não contaria a ninguém que eu havia passado a noite de núpcias completamente sozinha... e que meu marido ainda não havia voltado.
Naquela tarde, cansada de assistir a filmes que não me importavam e tentando abafar pensamentos que não queria ter, alguém bateu na porta.
“Senhora Moretti?” anunciou um homem de terno escuro. “Sou o motorista do senhor Gael. Estou aqui para levá-la à sua nova casa.”
Não fiz perguntas. Simplesmente apontei para minhas malas, já arrumadas desde a noite anterior, e o segui. Hoje deveria ser o início da nossa lua de mel. Mas claro, ele mudou os planos sem me avisar.
A nova casa... não, a nova prisão... era maior do que eu imaginava. A mansão Moretti era uma obra-prima arquitetônica, com jardins intermináveis e esculturas antigas. Ficava claro que a família dele tinha muito mais dinheiro do que a minha, e cada canto gritava isso. Mas o luxo não me impressionava. Não quando eu estava sendo trancada em uma vida que não escolhi.
Os empregados me receberam em fila, exibindo uma polidez quase teatral. Eles sorriam, me chamavam de “senhora” e faziam reverências. Mas seus olhos... seus olhos não conseguiam esconder a verdade. Eles me olhavam com aquela piedade silenciosa reservada para mulheres que foram deixadas de lado. Esse era meu único título agora. Eu era a esposa abandonada.
Uma semana depois...
Coloquei os toques finais na tela com uma mistura de satisfação e tristeza. Eu havia pintado um belo pinguim, asas abertas, com um olhar melancólico. Irônico. O único pássaro que não voa. Era exatamente assim que eu me sentia.
Presa nesta mansão. Bonita, sim. Enorme, também. Mas vazia. Um lugar sem vida.
Juana, a governanta, era a única que interagia comigo de forma amigável. Ela gostava de me ver pintar e ajudou a transformar um dos quartos em um estúdio improvisado. Ela me trazia chá quente, biscoitos e, às vezes, doces. Ela era o mais próximo que eu tinha de uma amiga aqui.
Eu não sabia nada sobre Gael. Não tinha notícias dele desde a noite do casamento. Não tinha seu contato. Não sabia quem chamar. Nem tinha certeza se ele voltaria algum dia.
Meu estômago roncou. Eu estava tão focada em pintar que esqueci de comer. Desci as escadas vestindo meu macacão manchado de tinta e com o cabelo preso em um rabo de cavalo bagunçado.
E lá estava ele. No corredor de entrada.
Gael.
Seu rosto mostrava um cansaço evidente, mas quando me viu, sua expressão endureceu. Ele me cumprimentou friamente. Não disse uma palavra. Apenas me olhou com aqueles olhos duros, como se minha presença em sua casa o incomodasse. Continuei andando, ignorando-o. Pretendia fazer um lanche e não queria que ele visse que me afetava. Mas sua mão me parou assim que passei por ele.
“Precisamos conversar. Vá para o meu escritório. Estarei esperando lá.”
“Quem você pensa que é para me dar ordens?” Queria dizer, mas em vez disso, enviei-lhe um olhar de desprezo e puxei meu braço sem dizer uma palavra.
Na cozinha, eu estava fervendo de raiva. Ele desaparece por uma semana e volta como se nada tivesse acontecido. Quem ele pensa que é?
Juana, como sempre, ajudou a me acalmar. Ela tinha deixado um bolo de amêndoas com chocolate que cheirava maravilhosamente. Servi-me uma fatia generosa. Não sabia qual seria a conversa, mas tinha a sensação de que não seria agradável. Precisava de um pouco de açúcar. Energia emocional.
Demorei na cozinha — era minha forma de vingança. Talvez infantil, mas ele merecia. E quando finalmente entrei no escritório, encontrei-o com uma expressão sombria.
Perfeito. Estávamos na mesma sintonia.
“Pensei que você não viria,” ele disse sem me olhar.
“Eu estava comendo,” respondi secamente. “O que você quer?”
Ele se acomodou na cadeira como se estivesse se preparando para me contar um segredo.
“Vou te contar algo que vai mudar muita coisa.”
Franzi a testa. Não me sentei. De braços cruzados, olhei para ele da porta.
“Bella acordou.”
“O quê?” A palavra escapou da minha boca sem pensar. O tempo congelou por um segundo.
“No dia do nosso casamento. Foi por isso que fui embora. Ela estava no hospital. Fizeram alguns exames. Ela está estável… mas vai precisar de reabilitação para voltar a andar.”
Senti o chão sob meus pés mudar.
“E ninguém pensou em me contar? Você não…?” Pausei. “Bem, eu não esperava nada de você, mas meus pais? Minha mãe? Meu pai? Como ninguém me contou?”
Gael manteve meu olhar, inexpressivo.
“Bella pediu assim. Ela disse que não estava pronta para te ver.”
“O que isso quer dizer? Eu sou irmã dela!”
“Ela sabe que nos casamos,” ele acrescentou, sua voz ficando mais tensa. “E… ela não aceitou bem.”
Minha raiva explodiu.
“O que você achou que eu ia fazer? Substituí-la e sorrir enquanto todos celebram essa mentira? Essa foi sua ideia! Eu não roubei nada dela. Eu também estou nessa bagunça!”
“Eu sei,” ele respondeu em um tom baixo. “Mas se você for agora, só vai deixá-la mais ansiosa. Ela ainda está muito frágil.”
“E agora você decide por mim? Não me importo com o que ela pensa! Ela é minha irmã!”
“Aurora,” ele disse mais seriamente. “Só estou te pedindo um pouco de calma. Deixe ela se recuperar primeiro.”
Eu ri amargamente. Não tinha mais lágrimas, mas meu coração estava despedaçado.
“Claro. Paciência. Como se eu não estivesse aguentando tudo isso sozinha há meses.”
Virei-me em direção à porta, mas antes de sair, disse firmemente:
“Quando Bella estiver pronta, eu vou vê-la. Mesmo que eu tenha que arrombar aquela porta.”
E saí sem esperar por uma resposta.
