Capítulo dois
A manhã chega rápido demais.
Eu faço uma careta ao me olhar no espelho. Nunca me achei grande coisa em relação à minha aparência. Não sou magra como uma modelo. Não sou descomplicada como Freyja e suas amigas. Já me disseram que tenho curvas nos lugares certos, mas passei anos desejando trocá-las por ângulos acentuados e uma cintura onde se pudesse equilibrar um livro.
Então é isso. Sou uma bagunça. Tudo bem.
Tomo um banho escaldante e fico sob a água tempo suficiente para o calor afrouxar os nós deixados por uma noite sem dormir. O shampoo de cereja azeda espuma no meu cabelo negro como carvão, que cai além do meio das costas. Condicionador em seguida. Enquanto ele age, lavo meu corpo e depois esfrego meu rosto com limpador e meu esfoliante.
Quando saio para o tapete felpudo fora do box, me sinto quase humana.
Quase.
Meu celular apita assim que entro no meu quarto.
Niklaus.
Meu melhor amigo. Meu quase-irmão. A versão humana da lealdade com pernas. Temos mais em comum do que eu gostaria de contar. Ele confessou seu amor por mim no segundo ano, e eu o decepcionei da maneira mais gentil possível porque não podia fingir sentir algo que não sentia. Doeu mesmo assim. Para nós dois.
Feliz aniversário, lindona!
Me avisa quando chegar na escola. Tenho uma surpresa enorme pra você!
Um sorriso surge no meu rosto antes que eu possa impedir.
Só estou me arrumando. Tive uma noite difícil ontem, respondo.
Jogo meu celular na minha cama king-size de cerejeira com dossel e começo a me vestir.
Loção. Calcinha. Depois meus jeans de cintura baixa, que exigem uma pequena dança interpretativa para passar pelas minhas coxas grossas e bunda curvilínea. Combino com uma regata preta que diz:
Ah, eu te irritei? Aguenta firme, querida, eu sou uma vadia! É o que eu faço.
Botas de combate. Jaqueta de couro.
Não exatamente adequado para o dia do pijama, mas eu não sou do tipo que participa do espírito escolar.
Pego minha bolsa carteiro e vou em direção à cozinha.
“Ei, aniversariante!” Freyja sorri assim que eu entro. “Você está pronta para este fim de semana?”
Eu pisco para ela. Ela ainda está de pijama. Calça branca com corações rosa, regata combinando.
“Ah, Frey. Por que você ainda está de pijama?” pergunto. “E o que tem neste fim de semana?”
Pulo o agradecimento porque ainda estou pensando na “enorme surpresa” do Nik.
Ela me olha como se eu tivesse brotado membros extras.
“Hoje é dia do pijama,” ela diz devagar. “Semana do espírito. Em homenagem ao baile de formatura.”
Eu gemo enquanto meu bom humor murcha.
Certo. Loucura do último ano. Roupas malucas a semana toda, grande despedida emocional, blá blá blá nostalgia.
Olho para minha roupa e decido que não vou trocar.
“Eu esqueci,” admito. “E eu realmente não participo dessas funções sancionadas pela escola.”
“Sério?” Ela ofega. “Como você pode esquecer que o baile é neste sábado? Tem cartazes literalmente em todo lugar.”
Presidente da turma. Líder de torcida. Rainha do comitê do baile. Se alguém levaria isso para o lado pessoal, é a Freyja.
“Eu não presto atenção em tudo que acontece na escola,” digo, pegando uma banana da fruteira. “E eu realmente não estava planejando ir.”
Isso me rende um suspiro ainda maior.
“É nosso último ano do ensino médio,” ela diz, o discurso já carregando. “Você devia aproveitar ao máximo.”
Eu suspiro e pulo para sentar no balcão, me preparando para o impacto.
“Você está sempre estudando ou trabalhando,” ela continua.
Eu imito as palavras junto com ela, o que me rende um olhar afiado o suficiente para cortar.
"Você deveria pelo menos tentar encontrar um par se está preocupada em ir sozinha," ela acrescenta, suavizando o tom. Então, ela me dá a voz inocente. "Quero dizer, tenho certeza de que o Nik adoraria te levar."
Aí está.
"Eu não quero um par para o baile," eu digo. "Eu não quero um namorado. Você sabe disso."
Uma batida na porta nos interrompe.
Freyja vai para a sala de estar. Eu abro a geladeira e encontro o leite vazio.
"Frey, pensei que você fosse pegar leite ontem à noite depois do trabalho?"
"Droga," ela diz. "Eu sabia que estava esquecendo algo."
Ela volta com Cherie logo atrás.
Cherie é a melhor amiga de Freyja e uma das poucas pessoas que conseguem falar por cinco minutos seguidos sem soar como um kazoo moribundo.
"Não se preocupe com isso," eu digo. "Vamos pegar leite e mantimentos depois da escola."
"Você não tem uma consulta com o conselheiro hoje?" Freyja pergunta enquanto veste seu moletom de Conscientização sobre o Suicídio.
Eu gemo. "Droga. Esqueci."
Cherie me olha de cima a baixo enquanto saímos. "Por que você não está de pijama?"
"Esqueci a semana do espírito," eu digo. "E não estava a fim de desfilar por aí com roupa de dormir."
Ela dá de ombros e se vira para Freyja. "Vamos a alguma festa depois do baile?"
Descemos os seis lances de escada até a garagem onde o Jeep Grand Cherokee prata 2004 de Freyja nos espera. A manhã de primavera está fresca, e estou secretamente feliz por não estar usando pijamas com estampa de coração.
Quando chegamos ao carro, vejo a maquiagem de Freyja e Cherie à luz do sol. Natural e limpa, com um brilho rosa combinando e delineador de olho de gato esfumaçado.
Pelo menos são criminosas fofas.
"Vá pegar o leite enquanto estou na minha consulta idiota," digo para Freyja.
"Você não iria se eu não lembrasse," ela diz.
Eu mostro a língua para ela, piercing arco-íris e tudo. "Mesmo que isso seja verdade, você não precisa dizer em voz alta."
Cherie ri enquanto saímos.
"Então," ela diz, "você acha que finalmente vai deixar para trás sua série de quatro anos solteira e sair com aquele cara que te segue como um cachorrinho perdido?"
Eu pisquei para ela. Não pensei que ela prestasse atenção na minha vida.
"Que cara?"
Ela ri. Doce, não nasal, o que é honestamente um dom raro no ensino médio. "Cabelo loiro areia, olhos azuis lindos. Mais solitário do que atleta. Sempre usando o mesmo tipo de jaqueta de couro que você."
Eu sorrio. "Você quer dizer o Nik?"
Ela cora e acena com a cabeça. "Ele está totalmente apaixonado por você. Você sabe disso, né?"
"Sei," eu digo, esfregando as têmporas. "E eu o amo. Só não desse jeito. Ele é família."
Entramos no estacionamento da escola, e a conversa para.
Algo parece estranho.
Não é a ressaca normal de segunda-feira. Nem mesmo o caos usual do último ano.
Isso é diferente. Assustador. Como se o ar estivesse prendendo a respiração.
Eu examino as multidões. Todos se movem em seus grupos habituais, vozes se misturando em um rugido familiar.
Então eu sinto.
Olhos em mim.
Eu me viro e vejo um cara perto das arquibancadas do campo de futebol. Ele está parado, observando como se tivesse todo o tempo do mundo. Eu estreito os olhos, tentando enxergá-lo melhor.
Alto. Talvez um metro e oitenta. Talvez mais.
Isso é tudo que consigo antes de me forçar a desviar o olhar.
Saio do Jeep e imediatamente colido com algo sólido.
Eu solto um gritinho. Mortificante.
Eu me viro e me encontro cara a cara com o peito de Nik, sua estrutura de um metro e oitenta e três me fazendo parecer minúscula com meus um metro e sessenta.
"Oi, Aniversariante," ele diz, sorrindo como se fosse dono do sol.
Ele estende um envelope branco.
"O que é isso?" pergunto, alcançando-o.
