Capítulo 1
Ella
Já passava da meia-noite e eu ainda estava presa no escritório.
O brilho da tela do meu laptop era quase um conforto, um sinal de que eu estava trabalhando duro, que eu estava progredindo.
“Quase terminando,” murmurei para mim mesma com um suspiro enquanto esfregava meus olhos cansados.
Essa era a minha vida, no entanto. A essa altura, eu estava me acostumando a passar todo o meu tempo aqui no escritório de advocacia.
Como advogada novata, nunca esperei ser tratada como uma rainha, mas com certeza eles poderiam me ver como mais do que apenas a garota dos recados?
“Você poderia tirar essas cópias para mim, Ella?” James tinha pedido mais cedo naquele dia, entregando uma pilha de arquivos como se fosse óbvio que eu seria a pessoa a fazer isso.
E assim eu fiz, junto com uma dúzia de outras tarefas que não gritavam exatamente ‘advogada’. Mas eu acreditava, talvez tolamente, que a perseverança me traria respeito e melhores oportunidades.
Afinal, era meu primeiro ano fora da faculdade de direito. O que eu esperava?
O suave zumbido do aspirador do zelador interrompeu meus pensamentos. Já era quase uma da manhã, e meu corpo me lembrava da necessidade de dormir com cada músculo dolorido.
Eu me espreguicei e comecei a arrumar minhas coisas quando meu telefone vibrou com uma chamada recebida. Na tela estava escrito Mamãe & Papai. Suspirando, atendi.
“Oi, vocês dois.”
“Ella? Você já está em casa?” a voz do meu pai, Edrick, soou, uma mistura de preocupação e leve frustração.
“Ainda estou no trabalho, pai,” respondi, minha voz carregada de exaustão.
“Ella! Já passou da meia-noite!” minha madrasta Moana interveio, sua voz um rico e melódico contralto.
“Eu sei, mãe, mas tenho muita coisa para fazer.”
Moana. Ela era minha madrasta. Ela foi minha babá por um curto período, mas em um romance relâmpago, ela e meu pai se casaram e tiveram minha irmãzinha. Moana era mais uma mãe de verdade para mim do que minha própria mãe biológica poderia ter sido.
Ouvir a voz dela numa noite como essa era um conforto, mas eu não podia negar que estava um pouco irritada com as tendências superprotetoras dos meus pais. Eles tinham boas intenções, mas às vezes esqueciam que eu era uma adulta capaz de cuidar de mim mesma.
“Essa cidade é tão perigosa para se estar fora tão tarde,” murmurou meu pai. “Você se lembra das notícias da semana passada?”
Suspirei. “Sim, pai. Eu lembro. Foi do outro lado da cidade.”
“Não importa, Ella,” meu pai disse, soando exasperado. “Aquele dono de supermercado foi assaltado à mão armada. À mão armada! Eu não preciso que minha menininha esteja em perigo—”
“Pai, eu te amo, mas não sou indefesa,” protestei.
“Eu sei.” Meu pai fez uma pausa com uma risada. Eu podia imaginar Moana ao lado dele, sua mão sardenta tocando seu ombro enquanto ela o olhava como se dissesse ‘Chega, Edrick.’
“Mas você ainda é minha menininha,” ele continuou.
“Eu sei, pai,” respondi, sorrindo levemente enquanto colocava meu laptop na bolsa. “Você sempre faz questão de eu não esquecer.”
A voz de Moana então se fez ouvir. “Apenas pegue um Uber, Ella. Não ande nem pegue o metrô. Tá bom?”
“Tá bom, tá bom,” cedi, sorrindo. “Amo vocês dois.”
“Nós também te amamos. Fique segura.” A voz da minha madrasta tinha um calor que sempre conseguia aquecer meu coração.
Eles desligaram, e eu balancei a cabeça. Eles nunca mudariam.
Eu poderia ter uma vida de luxo, protegida e mimada na cobertura do meu pai. Ele era um dos Alfas mais ricos do mundo: o CEO da WereCorp, e herdeiro da fortuna da família Morgan.
Eu era sua herdeira, e tinha tanto direito àquela empresa e fortuna quanto ele. A oferta estava sempre na mesa. A qualquer momento, eu seria mais do que bem-vinda a voltar para casa, seguir os passos do meu pai e trabalhar para ser a próxima CEO enquanto vivia uma vida de luxo sem limites.
Mas eu escolhi isso. Eu escolhi ficar de pé por conta própria e deixar minha marca. Eu escolhi ir para a faculdade de direito, me mudar para essa nova cidade que desesperadamente precisava de advogados, e subir na vida com meu próprio esforço.
Eu não segui o conselho do meu pai naquela noite. Depois de passar as últimas doze horas sentada em um escritório no porão sem janelas, o ar noturno era revigorante. Quando saí para o ar frio da noite, uma leve névoa de chuva tocou minha pele.
Optei por caminhar. As sombras e os sons da cidade não me assustavam. Eles eram simplesmente parte do pulso, do batimento cardíaco de um mundo vivo mesmo na escuridão.
“Você deveria ouvir seus pais, Ella,” minha loba, Ema, disse, sua voz ecoando na minha mente. Ela estava lá desde que eu me lembrava, uma companheira constante, uma amiga, uma voz da razão.
“Está tudo bem, Ema,” respondi. Falar com ela na minha mente era algo natural, assim como era para a maioria dos lobisomens. Meus lábios nem se moveram. Às vezes, quando eu era pequena, acidentalmente falava com ela em voz alta, mas isso era normal.
Ema respondeu com um rosnado baixo. A princípio, pensei que ela estava rosnando para mim, e revirei os olhos e continuei andando.
Mas isso mudou quando ouvi sussurros, sombras convergindo ao meu redor.
“Olha o que temos aqui. Um lobo solitário à noite,” uma voz áspera zombou. Os Renegados. Eu podia sentir suas intenções, a ganância em seus olhos. Apertei o aperto na minha bolsa.
“Fiquem para trás,” avisei, mostrando minhas presas.
Um sorriso se espalhou pelo rosto do líder. Ele era um tipo feio, com uma grande cicatriz atravessando diagonalmente seu rosto.
“Faça-nos, garotinha.”
Eles se aproximaram de mim. Com reflexos rápidos como um raio, dei um soco no mais próximo, que desabou.
“Droga!” um cara disse, arregalando os olhos. “Parece que temos uma Alfa aqui, pessoal? Quem diria? Hoje é nosso dia de sorte!”
Meu soco apenas incentivou o resto. Eles vieram de todos os lados, ainda mais fervorosos agora que conheciam meu status.
A realização me atingiu. Eles não viam apenas uma garota. Eles viam uma possível recompensa. Uma Alfa disfarçada de roupas simples.
Renegados na minha cidade natal eram frequentemente confinados a um distrito, que era tipicamente bem guardado pela polícia. Muitos deles eram viciados em drogas e pequenos criminosos.
Aqui, eles ainda eram viciados em drogas e pequenos criminosos—mas não havia um ‘distrito’ para mantê-los. Eles vagavam livremente, e a polícia local tinha muito trabalho para vigiar cada Renegado por roubos e assaltos.
Mais Renegados saíram das sombras. Um bando inteiro deles. Todos estavam zombando, rindo, mostrando seus dentes ameaçadores e rostos marcados por cicatrizes.
“Para trás!” rosnei, sentindo-me começar a me transformar enquanto meus instintos de anos de treinamento como Alfa começavam a agir. “Vou derrubar cada um de vocês!”
Quando meu aviso ecoou pelo beco mal iluminado, uma tensão palpável se instalou. O líder apenas sorriu.
“A garotinha acha que pode lutar, hein?”
Ele avançou para mim. Eu desviei em um movimento rápido, usando meu cotovelo para atingi-lo bem no queixo. Ele cambaleou para trás, a dor passando momentaneamente por seu rosto. Mas eu não tive tempo para saborear a pequena vitória, pois outro Renegado avançou contra mim por trás.
Girando com graça e velocidade, agarrei-o pelo pulso, jogando-o por cima do meu ombro. Seu corpo caiu em uma pilha de caixas de papelão próximas.
Mas eu estava em grande desvantagem numérica. Minhas habilidades de Alfa apenas atraíam mais deles das sombras, intrigados com minha destreza. Para eles, uma Alfa solitária era uma mina de ouro ambulante. Eles achavam que eu tinha dinheiro.
Eu podia sentir eles se aproximando de todos os lados, seus sorrisos e risadas zombeteiras alimentando minha raiva. Lancei uma série de chutes e socos. Cada movimento era preciso e direcionado. Consegui acertar mais dois Renegados, mas o cansaço estava se instalando, e havia muitos deles.
Um Renegado conseguiu agarrar meu braço, me desequilibrando. Eu podia sentir a maré se voltando contra mim. Soltei meu braço, mas agora estava encurralada contra a parede, sem ter para onde ir.
“Ela lutou bem,” o líder disse, limpando um pouco de sangue do lábio. “Mas não foi o suficiente.”
De repente, o ronco de motores perfurou a noite. Três Bentleys pretos surgiram, nos cercando, jogando luz sobre o beco. Levantei o braço para proteger os olhos, cegada pela luz.
E então, da luz veio um cheiro. Era tão intoxicante que senti meus joelhos fraquejarem. Braços fortes me envolveram enquanto eu ainda estava atordoada.
“Encoste nela, e será a última coisa que você fará,” uma voz profunda rosnou.
Os Renegados se dispersaram como ratos, desaparecendo nas sombras. Eu me virei, encontrando o olhar do meu salvador. Alto, com olhos profundos e um ar de comando. Não havia como confundir.
Uma força profunda dentro de mim se agitou. Minha loba reconheceu o vínculo antes mesmo que meu cérebro pudesse processar.
“Companheiro,” Ema sibilou.
“Você,” eu sussurrei, sem palavras. Os lábios do estranho se curvaram em um sorriso.
“Eu.”
O destino, ao que parecia, tinha uma maneira engraçada de fazer apresentações. E assim, no coração da cidade perigosa, sob o manto da noite, minha jornada como advogada se cruzou com o caminho do próprio destino.
