Seu nome era Bonduras

-Naomi-

Era isso. A gota d'água. Nas últimas horas, eu vinha pensando nisso. Toda essa visita, se é que se podia chamar assim.

"Somos amigos, Naomi?"

Acho que não. Quem gostaria de ser amigo casual do ex? Se sim, o que diabos eu estava fazendo aqui? Apoiar ele à distância? Mesmo com minha vida sendo uma bagunça? Que se dane todas essas regras de casa e testes e provações dessa matilha estranha. Era hora de ir embora. Peguei minha mala de mão para dar meia-volta, mas o lobo permaneceu imóvel. Me prendendo no espaço liminar entre a entrada e o complexo.

"Saia da frente" consegui falar com ele.

"Eu já te dei as condições." ele disse telepaticamente. Me perguntei se a voz rouca e profunda na minha cabeça soava algo parecido com a dele na vida real.

"Sim, e eu desisto. Sou indigna, tanto faz. Estou saindo daqui." declarei, evitando contato visual direto. O lobo cinza não se moveu nem um centímetro, e as ondas telepáticas entre minha mente e a dele ficaram em silêncio. Até suas íris escuras pareciam fixas em cimento.

Decidi, em uma fúria cega e falta de julgamento, fazer o primeiro movimento empurrando-o com minha força híbrida. O lobo inclinou um pouco as patas traseiras, mas esse foi o máximo efeito dos meus esforços. Seu corpo parecia uma parede de pelo laminado. O que havia ali embaixo? Músculos ou pilhas de aço empilhadas juntas?

"Receio que não posso deixar você ir." ele disse finalmente, após minha terceira tentativa.

"O quê?"

"Você tem suas condições" ele repetiu.

"Que eu rejeitei!" esclareci.

"Infelizmente" ele começou "as condições também incluem sua vida. Permita-me reformular para seu entendimento. Transforme-se em lobo para entrar na Residência da Luz da Lua. Não se transforme em lobo, e você será... Vejo que você já está imaginando minhas intenções." ele disse. Era verdade. As técnicas de ligação mental estavam voltando para mim. Vi uma imagem singular que piscou três vezes na minha mente; Um corpo com um buraco no coração, sangue escorrendo pelos membros quebrados como um rio fluindo para seus afluentes. Era meu corpo. Um terror repentino me invadiu, me tirando qualquer força para levantar as mãos.

Eu não me transformava há anos. Fazer isso na hora com um lobo misterioso me observando, com minha vida em jogo?

"Espere só um pouco" implorei, as palavras tremendo ao sair da minha boca. "Vou ligar para o Vincent, e todos nós vamos encontrar uma maneira de resolver isso."

O lobo aproximou seu focinho pontudo do meu seio esquerdo. E não disse nada.

"Deixe-me ligar para o Vincent. Ele não vai ficar feliz se algo acontecer comigo." Eu disse as palavras, mas será que eu acreditava nelas? Quero dizer, no mínimo, Vincent causaria algum tipo de confusão se eu morresse aqui, certo? O pensamento aqueceu um pouco meu coração.

"Não acho que o Mestre Vincent sentiria falta de uma intrusa como você, humana," disse o lobo. De repente, seu comportamento mudou. A expressão neutra se transformou em uma com tons sinistros e urgentes, suas sobrancelhas se arquearam para baixo, os pelos se eriçaram, as presas ficaram totalmente à mostra, com saliva translúcida escorrendo pelo queixo, pronto para me morder-

"Bonduras!" Uma voz familiar gritou do estacionamento. O lobo olhou naquela direção, no meio da mordida. Meus olhos se fecharam instintivamente, e fiquei mais do que aliviada ao descobrir que meu tronco e abdômen ainda estavam intactos quando os abri.

"Saia, Bondura. Você tem desejo de morte? Ela é convidada do Vincent, pelo amor de Deus!" o homem gritou. Fiquei surpresa e um pouco frustrada ao encontrar Arthur Livingsworth ali. Ele se comportava com a mesma energia infantil que era inadequada para um lobisomem, e isso lançou uma luz calorosa sobre essa cena sombria e desprezível, pela qual eu estava grata. O lobo afrouxou seu aperto nos meus ombros, e me lembrei de que podia respirar novamente.

"Você conhece essa humana, Mestre Arthur?" o lobo perguntou, desta vez em voz alta. Ficou claro que o lobo era um mestre na transformação. Ele teria apenas que transformar suas cordas vocais de volta para as de um ser humano para falar, enquanto ainda mantinha essa forma. Passei por um treinamento semelhante, tentando manter meu pelo enquanto ainda humana e vice-versa. No final, tudo o que consegui foi crescer minhas presas mais de 3 polegadas enquanto em forma humana. A nota de aprovação.

Mas eu tinha ouvido falar de técnicas onde lobisomens podiam manter suas garras, transformar apenas suas cabeças ou pernas, e ajustar finamente sua força para se adequar às suas necessidades do momento. Era reservado apenas para os mais talentosos e habilidosos da espécie lobisomem.

"Humana?" Arthur questionou. Ele olhou para mim com um sorriso diabólico e piscou.

"Sim, acredito que ela é uma intrusa. E assim, estou eliminando-a. Para proteger a matilha," disse o lobo. Como eu suspeitava, sua voz era a mesma que na minha cabeça.

"Sua cabeça está cheia de ideias. Como sempre," disse Arthur, parecendo entediado.

"Eu a conheci anteriormente, e foi a primeira coisa que notei. Você viu os dentes dela, a pele e a cor dos olhos? Especialmente os olhos. Já viu um humano com um tom de preto tão forte?" Arthur questionou.

"Tudo isso pode ser falsificado com magia. O que importa aqui é que ela não pode se transformar," retrucou o lobo. Toda a experiência era surreal. Deveria estar com raiva por ter vindo aqui? Deveria estar grata pela interferência de Arthur? Eu estava grata, mas parecia que a questão não passaria tão facilmente. Se o lobo afrouxasse um pouco mais seu aperto, eu poderia me defender.

"Transformações, truques. Bondura. Primeiro, ela é uma convidada de honra aqui. Segundo, você está se excedendo. Terceiro, está dizendo que não confia no julgamento do Alfa?"

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