02
– Eu também te amo, maninha. – Sorri ironicamente e voltei a ler o livro.
– Malu...? – Olhei para ela, que tinha se sentado na escada, me olhando entre os vãos do corrimão. – Estou atrapalhando?
– De jeito nenhum. Você atrapalha? Imagina! – ela disse ironicamente.
– Que sorte a minha. – Ela sorriu, eu a olhei com um olhar assassino. – Tá bom, leia seu livro em paz.
– Obrigada. – Voltei a ler. Então percebi que Ceci estava batendo o pé no chão no ritmo de alguma música sertaneja (a mais irritante) que ela gostava. Isso começou a me irritar. Bufei, derrotada. – Tá bom! Fala logo o que você quer.
– Ahhh, obrigada! – Ela se sentou no sofá graciosamente, mas ainda animada. Seu sorriso era radiante, sua pele não tinha nenhum traço de alguém que vivia na praia, Cecília abusava do protetor solar. Os olhos castanhos amendoados pareciam sorrir também. Diziam que nossos olhos eram iguais, da mesma cor, mas os de Ceci pareciam imensamente maiores, mais bonitos e destacados por uma maquiagem bem feita. Havia uma garota linda e irresistível na minha frente, não era à toa que ela vivia cercada de rapazes apaixonados. Suspirei e abracei meus joelhos, junto com meu livro. Preparada para o tédio.
– Ele é perfeito.
– Eles geralmente são.
– Não, ele é diferente. Realmente diferente. – ela quase suspirou e eu pude ver como seus olhos brilhavam. E isso meio que me assustou. – Ele é engraçado, sexy, trabalha pouco, ganha muito dinheiro. É lindo... Muito lindo. Não que eu me importe tanto com o trabalho e a beleza dele.
– Ah, tá... – Tentei não rir da ‘piada’ dela, mas foi difícil. Ela me cutucou.
– É sério! Ele é tão legal e divertido. Ele me trata bem e tudo.
– Você já ouviu que é sempre assim no começo, né? Mas cafajestes se tornam violentos depois de um tempo...
– Malu! – Ela começou a rir, de bom humor com meu comentário brincalhão. Sim, estar arrumada, ou seja, com o cabelo penteado, tinha bons efeitos no humor dela. Ceci não suportava que eu sempre vivesse de shorts, vestidos fora de moda e blusas compridas. Sem falar nas roupas que eu usava quando ia andar de skate, algo que a horrorizava completamente. Onde já se viu uma garota viver com arranhões, hematomas, bonés e cercada de meninos que falam gírias incompreensíveis? Eu era um caso sério, muito sério para ela, que queria que eu usasse saias plissadas, blusas justas e meu cabelo sempre preso em penteados elaborados, ou simplesmente solto. Sem falar nos malditos lacinhos que Ceci tentava de todas as formas me empurrar. Ela adorava lacinhos e eu os odiava. Eram irritantemente doces, e viviam espalhados por toda parte. E ela ainda tinha o ridículo hábito de pedir minha opinião sobre eles. E isso não tinha nada a ver comigo. Eu gostava de roupas leves, meu cabelo preso em um rabo de cavalo solto e andar de sandálias. Eu vivia com hematomas nos joelhos e a pele queimada de sol por viver na praia. Eu não trocaria meu livro por ninguém no mundo e abominava maquiagem. Eu não sabia usar. Eu era um desgosto para toda a ostentação feminina da família, especialmente para Ceci.
– E como é esse trabalho maravilhoso de trabalhar pouco e ganhar muito? Quem sabe eu possa te mandar meu currículo.
– Bem... Ele trabalha com a tia.
– Em quê exatamente? – ela fez uma careta. Olhei para ela indignada. – Vai dizer que você não sabe?
– Quando ele pagou tudo o que comemos na viagem que fizemos ao shopping, eu só queria que ele me beijasse. E ele beija muito bem. Sapo!
– Claro, típico! Ele está namorando alguma Miss Perfeição na vida. – Honestamente... Eu não estava surpresa que ele fosse ‘perfeito’. Ceci geralmente conseguia os caras mais legais. O problema é que ela os chutava depois de algumas semanas, repito. Eu achava que ela era um pouco insensível quanto a isso. Tanto que eu até tentava consolar os idiotas que acabavam ficando na porta dela por alguns dias, literalmente jogando um balde de água fria neles. Para apagar o fogo da paixão deles, caramba. Mas você sabe como é... Mesmo não gostando do comportamento de Ceci com seus relacionamentos, eu tinha desistido de discutir com ela sobre isso há muito tempo. Eu era ignorante nesse assunto.
– Você acha mesmo que estou exagerando?
– Acho.
– Era uma pergunta retórica!
– Desculpa. – Ri levemente. Olhei para ela, e ela olhou para a porta pela milésima vez. – Tá bom, entendi. Você realmente gosta dele. Prometo me comportar.
– Sem piadas engraçadas?
– Eu nunca conto piadas sem graça.
– Era uma vez um pato que nunca ria. Então um dia ele tropeçou e rachou o bico. – Ela me olhou séria. E sem querer, comecei a rir, muito alto! Logo ela estava me acompanhando. Começamos a rir juntas, mãe. Alto e sem parar, quase nos engasgando. Ceci se recuperou antes de mim e eu respirei fundo, enxugando algumas lágrimas que escaparam com o esforço da risada. Ceci me olhou expectante, um sorriso brincalhão no rosto:
– Sem piadas engraçadas, então?
– Promete?
– Seja séria, Ceci. Não duvide de mim, tá?
– Obrigada. – A campainha tocou nesse momento, e os olhos dela se arregalaram. Olhei por trás do sofá e vi uma silhueta parada na porta, mãos nos bolsos. Cabeça baixa. Antes que Ceci se levantasse, Karol desceu correndo as escadas, seu cabelo castanho claro úmido balançando atrás dela e seu vestidinho ligeiramente amassado. Ceci tentou impedi-la, mas ela abriu a porta.
– Oi, você é o namorado da minha irmã? – Ouvi uma risada profunda e rouca, falhando quando chegou ao fim... Eu congelei.
– Sim. – ele disse docemente para minha irmã e eu congelei no sofá. Meus dedos cravados na capa do livro. Não. Não pode ser. Era impossível!
– Entra, entra. – Ceci chamou. Olhei para baixo, para o livro. Ouvi Ceci apresentá-lo, a porta ainda aberta, para Karol e minha mãe. – Ei, Malu. Vem aqui.
Tentei controlar aquele medo ridículo dentro de mim. Essas coisas não podiam acontecer. Com as pernas tremendo, me levantei. Convencendo-me de que eram apenas vozes e nomes parecidos. Ainda caminhei com a cabeça baixa em direção à porta. Então, olhei para cima.
Eram eles, aqueles mesmos olhos castanhos. Vi que ele espelhava a expressão no meu rosto. Assustado, incrédulo, perdido. Minha garganta secou, sem saber o que fazer, permaneci imóvel, mentalmente me amaldiçoando e ao meu maldito karma.
– Vocês já se conhecem? – Ceci perguntou, desconfiada.
– Não! Claro que não! – eu disse alto. Nos olhamos assustados novamente. Senti meu rosto corar e vi que as bochechas dele também estavam ruborizadas sob a pele bronzeada.
– Certo... – Ceci sorriu, animada. Ela agarrou o braço dele, puxando-o para perto. – Igor, essa é minha irmã Malu. E Malu, esse é Igor, meu namorado.
Ela me olhou, esperando que eu dissesse algo. Engoli em seco. Sem saber como assimilar tudo. Eu queria rir, rir!, dessa grande ironia e ao mesmo tempo queria chorar por tanta má sorte. Queria dar um tapa nele e na Ceci, e ao mesmo tempo queria afastá-la dele. Eu estava cheia de desejos, mas meus pensamentos estavam vazios, ocos... A única coisa em que eu realmente conseguia pensar enquanto Ceci me olhava orgulhosa e mostrava Igor era que essa situação era horrível e insana. Como uma piada de mau gosto, eu não conseguia rir ou sorrir daquela situação. Tudo o que eu conseguia pensar era quando eu o chamava de meu.
O jantar foi extremamente desconfortável para mim. Igor parecia calmo e controlado. Fazendo todos na mesa rirem, menos eu. Eu apenas olhava para a comida, sabendo que seria uma tarefa de Titã digeri-la. Notei que Ceci me olhava com desaprovação, querendo que eu me soltasse mais, me envolvesse na conversa com o namorado dela e o entretivesse com minhas observações irônicas, coisas que eu sempre fazia. Eu costumava ser muito descontraída no jantar, porque não conseguia ficar calada quando havia uma situação embaraçosa como aquela na minha frente. Mas isso era absurdo. Eu simplesmente não conseguia, principalmente porque Igor não parava de me encarar.
– Como vocês se conheceram? – Karol perguntou animada. Ela gostava dessas coisinhas de casa, mesmo sendo tão jovem.
– Karol... – Ceci corou e eu me perguntei por que ela estava agindo tímida. Eu queria dar um tapa na cara dela, um tapa tão forte que a fizesse cair da cadeira. – Bem, foi na praia. Ele me olhou... Então... Eu fui falar com ele, e bem... Foi divertido. Trocamos números de telefone e mantivemos contato. Muito rápido. É lindo.
– Legal. – Karol disse, não tão animada com a conversa agora. Ela gostava de coisas épicas, como esbarrar nos corredores da escola ou algo parecido, flores no Dia dos Namorados, papelaria e amor à primeira vista como nos filmes que ela gostava de assistir. Aquela bobagem enganosa, que insistia em dizer que o amor era lindo. Blérgh!
Meros mortais, sempre pensando positivo sobre coisas que estão fadadas ao fracasso só porque são baseadas em ilusões. Eu não entendia como podiam acreditar que esbarrar em uma pessoa e compartilhar um gosto por economizar e gastar, só isso, poderia levar um relacionamento adiante. Tinha que haver algo inexplicável no meio também, e afinidades; claro, já que são elas que conduzem o trem adiante, pavimentando os trilhos com anos de casamento e companheirismo. Infelizmente, minha família tinha um histórico impressionante de trens descarrilando, divórcios e separações. E claro, trocas constantes de namorados. Em outras palavras, relacionamentos românticos estavam fadados ao fracasso, não poderia ser diferente comigo.
























































































