Oito

"Não se preocupe comigo, mãe, vou ficar bem." Terminei minha comida e lavei a louça. Quando chegou a hora de ir para a escola, chamei Janice, "tome cuidado, tå?"

Ela riu. "Eu que deveria me preocupar com vocĂȘ. Sou sua mĂŁe, nĂŁo o contrĂĄrio."

Sorri, "Mesmo assim."

"VocĂȘ sempre coloca os outros em primeiro lugar," ela me olhou do jeito que costumava olhar para meu pai. "VocĂȘ herdou isso dele. É como se ele estivesse vivendo atravĂ©s de vocĂȘ."

Fiquei mexendo nos dedos. Me senti tĂŁo desconfortĂĄvel. Nunca fui uma pessoa emocional. Preferia trancar meus sentimentos e colocar um sorriso no rosto enquanto morria por dentro. Sempre senti que as pessoas se aproveitariam de mim se vissem meu verdadeiro eu. Se vissem o quĂŁo quebrado eu realmente estava. "Te vejo mais tarde."

Ela assentiu.

Mais de meia hora antes do início das aulas, decidi ir para a sala de aula em vez de ficar na cafeteria onde metade dos alunos estava. Não queria que ninguém visse através de mim, não tinha certeza se conseguiria manter uma conversa por muito tempo sem que alguém percebesse que algo estava errado.

Estava sentado no parapeito da janela olhando para fora enquanto o påtio se enchia de mais alunos. Não estava pensando em nada específico. O cheiro de chuva fresca me deixava tonto. Era uma manhã bonita com as nuvens cobrindo o céu de cinza até onde eu podia ver. Estendi a mão e, quando as gotas de chuva tocaram minha mão, fechei os olhos. Estava tão frio, tão estranho, mas ainda assim o toque parecia mågico. Sorri; nada e ninguém me derrubariam hoje.

Meus olhos se abriram ao sentir o desconforto de estar sendo observado. Olhei para o estacionamento, mas ninguém parecia estar prestando atenção em mim. Os pelos na nuca se arrepiaram. Suspirei, devo estar paranoico.

Desci do parapeito e fiquei de pé ainda olhando pela janela e foi só então que vi olhos dourados me encarando pela visão periférica. Meu coração começou a acelerar. Não tinha certeza de onde os tinha visto antes. Era como se os olhos estivessem olhando diretamente através de mim, secretamente quebrando as paredes que construí ao longo dos anos. Inclinei-me para frente para ter uma visão melhor, mas as årvores tornavam impossível ver a que tipo de criatura os olhos pertenciam.

Houve uma batida na porta da sala de aula e olhei para ela, quando olhei de volta para a floresta nĂŁo havia nada, nĂŁo conseguia mais ver os olhos. Ri amargamente.

"NĂŁo te vi entrar esta manhĂŁ." Era o Benjamin.

Forcei um sorriso enquanto voltava para minha mesa. "NĂŁo estou aqui hĂĄ muito tempo."

"Trouxe um chĂĄ para vocĂȘ," Benjamin quase todos os dias me trazia uma xĂ­cara de cafĂ© fumegante. Quatro açĂșcares, sem leite e dois cafĂ©s.

Sorri em agradecimento.

"EntĂŁo... Quando devo trazer o contrato?" Ele riu nervosamente enquanto passava a mĂŁo na nuca.

"VocĂȘ me enganou," respondi friamente. "Provavelmente ouviu de alguĂ©m que o Zack estava em casa." Olhei para ele atravĂ©s dos cĂ­lios. "VocĂȘ nĂŁo Ă© realmente um mago, Ă©?"

"VocĂȘ me dĂĄ muito crĂ©dito."

"Eu nĂŁo me inscrevi para isso."

"VocĂȘ ainda nĂŁo assinou... tecnicamente."

"Isso foi tirado de contexto."

Ele parecia satisfeito.

O irritante som do sinal tocou. Benjamin disse que me veria no almoço enquanto desviava de alguns colegas de classe que passavam apressados. As meninas risonhas estavam muito felizes e suas risadas eram contagiosas. Me peguei sorrindo enquanto elas conversavam.

Quando o sinal final tocou, a sala ficou em silĂȘncio. Suspirei. LĂĄ se vai meu dia.

No segundo intervalo, fui para a biblioteca. NĂŁo demorou muito para Selma me convencer a experimentar a pizza da cafeteria. Comi com refrigerante diet. Alguns minutos depois, ouvi Benjamin gemer. Segui seu olhar de Ăłdio para ver Bradley entrando confiante. Seu cheiro era refrescante e intoxicante enquanto passava por nĂłs para ficar com sua igualmente bela cunhada, Rebecca, perto da janela.

"Oi, mana," ele disse enquanto bagunçava o cabelo dela.

Eu ofeguei quando ela sorriu, mostrando seus dentes perfeitos. Eles eram tĂŁo brilhantes em contraste com seu cabelo cerĂșleo – um azul tĂŁo escuro que eu me perguntava se era natural. Ela deu um soco brincalhĂŁo no ombro dele e ele fingiu cair, se segurando na mesa ao lado. "Quando vocĂȘ ficou tĂŁo forte?"

Ela o beliscou.

Quando ele falou, parecia ofendido, mas estava sorrindo. "Trouxe algo para vocĂȘ comer."

Eu me perguntava por que eles estavam falando tĂŁo alto.

"Sal?" ela brincou. "NĂŁo tenho certeza se fogos de artifĂ­cio estĂŁo nos objetivos do S.C.A."

Eu sentia como se estivesse perdendo uma piada interna enquanto eles riam em unĂ­ssono. O que fogos de artifĂ­cio tinham a ver com isso? O que eu estava perdendo? Minha curiosidade queimava dentro de mim.

A sala ficou em silĂȘncio enquanto todos nĂłs assistĂ­amos, hipnotizados por esses dois anjos se comportando de maneira tĂŁo humana. Eles eram um espetĂĄculo. E suas vozes eram hipnotizantes, como se estivessem cantando em vez de falando. Meus olhos seguiam cada movimento que faziam. Eles eram simplesmente deslumbrantes.

Ele sorriu. "NĂŁo posso ser gentil com minha irmĂŁ sem ter um motivo oculto?"

Ela lhe deu um olhar conhecedor.

"Ok, tudo bem," ele passou a mão pelo cabelo e eu gemi. Ele se virou lentamente ainda sorrindo para me olhar. Era como se ele pudesse ouvir meus pensamentos. Quando seu olhar encontrou o meu, todos os traços de humor desapareceram de seu rosto lindo. Quando ele falou novamente, foi com os dentes cerrados e o maxilar travado. Ele não estava mais olhando para mim, mas eu sabia que eu era a razão de sua mudança repentina de humor. "Vou sair esta noite."

Ela balançou a cabeça e seus cachos se moveram em sincronia.

"Vou te dever uma."

"Por que vocĂȘ nĂŁo pode ficar longe dela?"

Ele riu sombriamente. "Ela Ă© a Ășnica."

"NĂŁo!" ela gritou animadamente. Ela lançou um olhar significativo para mim brevemente. "VocĂȘ me deve," ela disse a Bradley.

Eu nĂŁo podia suportar ouvir mais. Estava furioso. NĂŁo sabia por quĂȘ. Levantei-me derrubando minha cadeira no processo. NĂŁo conseguia entender a dor no meu coração.

"Eu não deveria ter ido lå. Deveria ter passado meu almoço aqui," disse tristemente enquanto fechava a porta da minha sala de aula. Enterrei meu rosto nas mãos enquanto balançava meu corpo para me acalmar.

As horas depois disso foram um pouco confusas. O Ășltimo perĂ­odo do dia chegou. Era a Ășnica aula que eu temia assistir. NĂŁo pude deixar de esperar que ele faltasse Ă  aula hoje, mas para minha decepção, ele foi um dos primeiros a entrar. NĂŁo sei por que fiquei decepcionado, a sorte tendia a me evitar.

Sessenta minutos pareceram uma eternidade. NĂŁo conseguia tirar os olhos dele enquanto ele estava sentado lĂĄ, com a mente a quilĂŽmetros de distĂąncia. Quando a escola finalmente terminou, suspirei de alĂ­vio e me joguei na cadeira enquanto esperava a sala esvaziar. Enterrei meu rosto nas mĂŁos e me amaldiçoei por ser tĂŁo estĂșpido. Minha cabeça estava me matando. Gemia, o que eu fiz? No que me meti?

"VocĂȘ estĂĄ bem?" uma voz musical disse.

Pisquei. "Hum..." ele estava falando comigo? Apontei meu dedo indicador para mim, incerto se ele realmente estava falando comigo e lancei um olhar significativo e suspeito ao redor da sala. Com certeza, Ă©ramos as Ășnicas pessoas restantes.

"VocĂȘ parece zangado." Ele nĂŁo estava me olhando com raiva, mas com curiosidade enquanto me estudava.

Eu o encarei. Ele esperou pacientemente pela minha resposta. Demorei um minuto inteiro para finalmente sussurrar uma resposta gaguejada. "Estou b... bem."

"VocĂȘ nĂŁo parece muito bem." Sua voz era educada, mas seus olhos permaneciam resolutamente frios. E nĂŁo pude deixar de notar que quando falei, ele pareceu enrugar o nariz e se afastar rapidamente, como se nĂŁo suportasse meu hĂĄlito. NĂŁo pude evitar cobrir minha boca com a mĂŁo e soprar um pouco de ar para sentir meu hĂĄlito. O cheiro do meu chiclete favorito ainda estava na minha boca. Franzi a testa. Confuso. Talvez eu pudesse perguntar a Janice se meu hĂĄlito estava ruim. Talvez eu fosse imune a isso.

"É só uma dor de cabeça." Meio que menti.

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