Primeira noite:

Umara:

— Exijo que me forneçam uma burca ou pelo menos um véu. Sei que pareço beligerante e que me resignei ao meu futuro muito rapidamente. Mas não posso permitir que uma parte vital do ritual de União seja deixada de fora.

Pelo menos, será para mim... Meus costumes são tudo o que me resta da minha tribo e da minha identidade. Embora eu tenha sido arrancada da minha terra e agora seja tratada como pouco mais do que uma prostituta, tomei uma decisão firme de preservar minhas tradições.

— É impossível. Sua Majestade deve ser capaz de olhar para o seu rosto e encontrar prazer na sua beleza. - protesta a pequena mulher com os tamancos de madeira.

— Pouco me importa o prazer de Sua Majestade. - resmungo sombriamente.

Os olhos da pequena mulher se arregalam. Ela coloca abruptamente uma mão sobre meus lábios. Seu rosto com uma expressão de alarme.

— Cale a boca! - sussurra. - Tal imprudência pode custar sua vida.

Balbucio contra a palma dela e ela retira a mão.

— Muito bem. Se é tão importante para você, daremos um véu. Mas se o tecido desencadear a ira do meu Senhor, espero que esteja preparada para as consequências.

Engulo convulsivamente. Meu povo não teme a morte, desde muito jovens somos instruídos no caminho para o grande Oásis celestial. Mas os senhores Kurani são famosos por sua crueldade e seus atos de tortura, capazes de manter um escravo à beira da própria vida por muitas luas, sem lhe conceder a misericórdia do descanso, mesmo que o escravo clame pela morte.

A pequena mulher ordena a busca de um véu e várias donzelas saem para cumprir seu pedido.

— Minha senhora, perdoe-me pela ignorância. Mas quem é nosso Senhor?

— Não nos é permitido pronunciar seu nome. - responde ela altivamente. — Saiba que nosso Amado é aquele de quem o profeta falou. Ele, que governa o mundo, cujo cavalo cavalga sobre o campo fertilizado com os corpos de seus inimigos. Aquele cujo rosto brilha com as bênçãos dos deuses.

A voz da mulher estava cheia de tanta adoração que senti meu estômago revirar de náusea.

— Você deve se considerar entre os poucos abençoados capazes de vê-lo em todo o seu esplendor. - Gostaria de ter mais tempo para treiná-la nas artes que toda mulher deve empregar para agradar seu Senhor, mas você esteve doente por muito tempo... e a cerimônia de apresentação não pode ser adiada por mais tempo...

O futuro se abre diante de mim como um abismo. O mais longo e largo que já enfrentei. As palavras da dama da corte caem em ouvidos surdos porque minha mente foi tomada pelo horror. Um arrepio percorre minha espinha, enquanto meus olhos se enchem de lágrimas. Procuro desesperadamente por todos os lados da sala uma faca ou espada para cravar no meu peito e morrer uma morte rápida e ignominiosa. Sei que se eu escolher negar a graça do Magnânimo e acabar com minha existência miserável, nunca poderei alcançar o Grande Oásis Celestial, minha alma vagará pelos desertos do reino dos vivos, junto com todos os suicidas, condenada a uivar sua dor por toda a eternidade dentro das tempestades de areia.

Mas pelo menos não sofrerei a desgraça de ser a prostituta do homem que ordenou o assassinato e a destruição do meu povo! Não pode ser, que depois de tanto sofrimento, nas mãos do escravizador, eu tenha acabado sob o jugo do maior tirano que já assolou o Continente.

Fui levada para um quarto diferente. Onde antes as paredes eram brancas e imaculadas, agora aqui são avermelhadas. Parece que ao tocar nas pedras da parede, eu poderia escaldar minhas mãos. Lady Cítiê, (sim, consegui lembrar o nome da estranha mulherzinha) quase desmaiou quando percebeu que as donzelas que realizaram os cantos rituais me fizeram andar pelos corredores internos do Palácio Real completamente descalça. Sua frustração foi tanta que ameaçou chicoteá-las todas, o que consegui evitar explicando que este é outro dos costumes da minha tribo e exigindo que minha decisão fosse respeitada. O que é verdade, de certa forma, a mulher que despreza seu marido e deseja sua morte iminente sempre vai ao seu encontro descalça. Sorrio por dentro. Este método é sempre usado como forma de protesto, mas não funciona enquanto for justo para aqueles que o justificam. Suspiro tristemente ao pensar no meu pai, ele teria me casado com algum pastor de ovelhas em vez de me vender.

Já faz muito tempo desde que os dados e a senhora Cítiê voltaram. Sento-me bem no meio da enorme cama onde, entre subidas e conversas escandalosas, me deixaram confortável.

— Lembre-se. Você é um espólio para o nosso Senhor, quando ele se aproximar de você, deve mostrar submissão ou buscar o prazer dele antes do seu. — Estas foram as palavras enigmáticas e últimas de Lady Cítiê antes de sair e me deixar trancada aqui.

Devo isso às pernas de todo o tempo que o fio esquerdo está nesta posição. As palavras de Lady Cítiê nos deram muitas palavras. Procurar o prazer do Terrível? Do lobo guerreiro que destrói e devora seus inimigos? Ele grunhiu e torceu os lábios.

Estranhos ald malditos com o meu próprio!


A mulher dorme profundamente nas juntas do vidro cerimonial. O homem que observa, admira de um segundo andar, através de uma tela estrategicamente colocada, a largura de seus quadris e a forma de suas pernas. A redondeza de seus seios atraía poderosamente sua atenção, ele cerrava os punhos com o desejo de moldar e acariciar tais montanhas generosas. Uma secura tomou conta de sua boca como se ele não tivesse bebido água em muitos ciclos, sua língua umedeceu seus lábios cheios e ele instantaneamente imaginou provar aqueles mamilos escuros claramente visíveis através da seda translúcida.

Luxúria, quente e inegável, havia tomado conta dele. Sua besta interior se contorcia com o cheiro dessa nova e inesperada fêmea, sua poderosa ereção pulsante testemunhando o desejo cego que o impulsionava. A mulher murmurava e se contorcia em seu sono, esticando seu magnífico pescoço, como se ele a tivesse tocado. Seus seios pressionavam contra a seda que os aprisionava, ameaçando escapar.

Um rosnado irrompeu dos lábios masculinos, ecoando no quarto luxuoso e enorme.


Umara:

Acordo com um sobressalto e me sento na cama. Um barulho me acordou? Meu coração está disparado e estou arrepiada. Tenho a estranha sensação de que alguém está me observando, o que é bobo porque o quarto ainda está vazio. Não há ninguém aqui além de mim. Solto um bufar e ajusto os tecidos transparentes que tentam me cobrir. Este vestido é realmente desconfortável, cava na minha pele e as joias incrustadas no tecido me arranham.

Reclino-me nas almofadas próximas e olho ao redor, esplendor, tudo é esplendor onde quer que eu olhe. Faço uma careta. Esses kuranies tolos e sua luxúria por joias!

Meus olhos viajam para cima e eu pulo da cama. Bem ali, no teto avermelhado, estão milhares de imagens. Imagens nuas de homens e mulheres. E realizando todos os tipos de... atos... Sinto o sangue subir ao meu rosto e a náusea voltar. A bile sobe na minha garganta, e coloco uma mão sobre a boca e corro em direção à primeira porta à minha esquerda, esperando que ela leve a um lugar onde eu possa esvaziar o conteúdo do meu estômago.


Consegui sair para um jardim. Depois de vomitar duas vezes e limpar a boca na barra do meu vestido infernal, respiro fundo para tentar me livrar da náusea. Meu corpo treme e minha pele está suada e fria. Eu tremo.

As imagens que vi há pouco no teto do quarto ainda estão frescas na minha memória e me causam imensa repulsa... Desde muito cedo, como de costume, minha mãe explicou a mim e às minhas irmãs o que seria esperado de nós uma vez casadas, por isso sempre tive certa apreensão e desconfiança em relação aos meninos e, quando cresci, os homens sempre me aterrorizavam. Eles são bestas, bestas selvagens com autoridade para governar sobre nós! Minha irmã mais velha sempre protestava. E agora percebo que ela estava certa. Aquelas imagens... Balanço a cabeça tentando afastá-las da memória e meus olhos vagam pelo jardim.

Espere... isso é um jardim? Me pergunto enquanto observo a terra preta e fedorenta, a enorme árvore ressequida e fantasmagórica, os arbustos espinhosos espalhados aqui e ali, a majestosa fonte de ébano. Franzo a testa. E balanço a cabeça desaprovando... Kuranies! Eles se esforçam tanto para tornar seu mundo monocromático que não é de se admirar que incendeiem um jardim só porque querem. Solto um bufar. Nunca vou entendê-los... Tudo aqui fora é preto.

— Vejo que desaprova o jardim privado do Imperador... - uma voz masculina e falsamente doce interrompe meus pensamentos. Viro-me bruscamente e atrás de mim está o desconhecido dono daquela voz sarcasticamente ronronante.

Dou um passo para trás, outro e mais outro... mantendo o intruso no meu campo de visão. O indivíduo veste roupas brancas, que contrastam fortemente com a escuridão da paisagem. Sua cabeça e rosto estão cobertos com um grosso turbante e burca, respectivamente. Apenas seus olhos são visíveis, e por um momento fico paralisada... Seus olhos são lindos, emoldurados por grossos cílios negros, são olhos felinos... Frios, calculistas, olhos de caçador...

Ele fala comigo em Kurani antigo, talvez seja um dos muitos nobres da corte.

— Não quis assustá-la. - O poderoso predador ronrona, enquanto um arrepio percorre meu corpo. Porque sei que ele mente.

— Desculpe se ultrapassei um limite e entrei em um lugar proibido, Senhor. - sussurro. Meu avô foi escravo do império Kurani na juventude, ganhou sua liberdade após salvar seu mestre de uma emboscada. Ele dominou fluentemente a língua, ensinou meu pai e ele, por sua vez, me ensinou. Não falo tão bem quanto um nativo, mas me orgulho da minha habilidade.

— O que uma flor do deserto como você está fazendo em um lugar tão seco e selvagem como este? - murmura o homem.

— Quando a tempestade sopra, as flores do deserto caem e são levadas para longe do cacto que lhes deu vida. Talvez encontrem boa terra e prosperem, ou talvez sejam levadas tão longe... que murchem na jornada.

— Ah... você conhece palavras. Você é educada, afinal. - Ele diz, aparentemente satisfeito.

— Meu pai era o Xamã da minha tribo. Muitos vinham a ele em busca de conselhos e sabedoria. Na minha terra, meus ancestrais eram juízes... - Minha voz vacila, quebrada pela dor que faz minha garganta se fechar em um espasmo.

— Entendo. Pode-se dizer então que você é a princesa do seu povo?

Olho para ele com desdém e cuspo no chão.

— Um príncipe é mais corajoso que um pastor de ovelhas? Um rei é mais forte que cem de seus soldados? - Levanto meu rosto altivamente. — Não sou uma princesa, meu povo não seguia coroas ou bandeiras. Nossas formas nunca serão compreendidas por um orgulhoso Kurani.

O homem me observa em silêncio. Por um momento, temo que ele se aproxime e levante a mão contra mim, mas ele me olha nos olhos, como se quisesse adivinhar meus pensamentos. Então, solta uma risada sarcástica e continua.

— Parece que nos desviamos do nosso assunto original... Diga-me, o que acha do Jardim Privado do Imperador?

Ele estende a mão, apontando para a escuridão ao redor. Meus olhos apreciam o lugar novamente e, por alguns minutos, consigo ver o verde e a frescura que outrora dominaram a ruína à minha frente.

Abaixo-me na terra queimada, pego um punhado e levo ao nariz. Imediatamente afasto a mão. O cheiro é repugnante. Similar a ovos podres e morte.

— A terra foi envenenada. — respondo. Limpando cuidadosamente as mãos para não deixar resíduos de solo podre, levanto-me.

— De alguma forma, misturaram enxofre e calabron, e isso acabou deixando a terra deste lugar estéril. — Mantenho a cabeça baixa por alguns segundos, para esconder o fato de que estou franzindo a testa.

Viro-me para meu interrogador e ele parece surpreso.

— Tem certeza absoluta? — Ele rosna, movendo-se rapidamente em minha direção. Tenho o impulso de fugir, de recuar, mas levanto a testa e o encaro.

— Os agoureiros profetizaram que este lugar está amaldiçoado, você acha que tem um dom de clarividência maior do que os sábios ao serviço do Imperador?

— Sou Sindu. Meu povo é nômade e conhece a terra. A qualidade do solo é vital para nossa sobrevivência. A boa água, encontrada no deserto, é motivo de celebração entre meu povo. Se eu lhe digo que este jardim foi envenenado, você deve acreditar em mim.

Por um momento, ele pesa minhas palavras. É impossível ler seus pensamentos porque seu rosto está escondido da minha vista. Mas seus olhos ardentes mostram desconfiança.

— Se você está tão convencida... então pode me dizer o que fazer para devolvê-lo ao seu antigo esplendor. — Ele murmura zombeteiramente.

Mordo a língua para não responder o que realmente quero. Pelos deuses, que homem irritante.

— Senhor, este assunto tem solução... — uso o tom mais doce que sou capaz de usar — ...mas não será fácil. Você terá que remover a terra, cavar até alcançar as pedras que estão abaixo, a terra que você remover deve ser jogada no mar, caso contrário, onde quer que a deixe, envenenará tudo ao redor...

Ele levanta a mão e me interrompe.

— Por que não encharcá-la com água do mar e deixá-la aqui? — Ele pergunta.

Solto um bufar exasperado.

— Porque o que você quer é terra onde as plantas floresçam e cresçam, não é? Você precisa de terra nova para isso, ela se tornou estéril e, portanto, não serve para você. Recomendo jogar tudo no mar, o mais longe possível da costa. O salitre se encarregará de diluí-la.

Observo-o juntar as mãos atrás das costas, e ele parece hesitar por um momento quando me pergunta:

— Se seu... diagnóstico for verdadeiro... Tem alguma ideia de como poderiam ter envenenado este jardim? E quem poderia ter feito isso?

Seu tom agora é mais amigável, persuasivo... Suspeito que ele esteja tramando algo.

— O como é fácil de adivinhar, Senhor. — digo, apontando para a fonte de mármore com meu dedo indicador. — Envenenar a água é a maneira mais rápida e fácil de envenenar a terra. Quanto a quem é o responsável... é impossível para mim lhe dar uma resposta, mas suspeito que se investigar de onde vem ou vinha a água da fonte, poderá encontrar o criminoso que procura.

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